PESCARIA
Houve um tempo em que as nossas pescarias eram sempre constantes na beira do rio Jacaré-Guaçu, nas cercanias de Araraquara, interior de São Paulo. Isso em meados dos anos 70 até o início dos anos 80. Mas como tudo o que é bom na vida, um dia tudo passa. As pessoas crescem, mudam de cidade, surgem outros objetivos na vida e, o pior… aqueles pioneiros das pescarias também já passaram, e infelizmente não estão mais entre a gente.
E assim, aquelas saudosas pescarias ao lado do nosso Avô Eurico, juntamente com os nossos pais, tios, primos e outros tantos parentes, aos poucos foram deixando de existir e parecia que aquela vida não nos pertencia mais…
Razão disso, é que neste ano de 2.008, por ocasião do aniversário de 89 anos da matriarca da família, a Vó Chiquinha, no mês de março, combinamos lá nos encontrar (casa da Vó Chiquinha em Araraquara), primeiramente pela comemoração de seu aniversário, mas já que estaríamos reunidos, combinamos também uma pescaria na beira do Jacaré-Guaçu. Conseguimos reunir na casa da Vó Chiquinha grande parte de nossa família, pessoas de São Paulo e de Araraquara. Os homens então aproveitando aquele fim de semana prolongado e aquela rara reunião (chegamos na sexta-feira Santa e voltamos no domingo de Páscoa), logo trataram de esquematizar a tão esperada pescaria.
Ficou tudo acertado para o sábado logo pela manhã… E bem pela manhã! Não preciso nem dizer como é que foi a noite…, só pela quantidade de pessoas que naquela sexta-feira dormiu na grande casa da avenida José Bonifácio, 1.367. Sem chegar à proporção de “sardinhas enlatadas”, os quartos estavam lotados de hóspedes. Pela copa e sala de estar, os colchões, como um enorme tapete, forravam o chão para que todos pudessem se “acomodar” e “dormir” para descansarem da viagem do dia. Casais, adolescentes, crianças, todos “confortados” pelos cômodos da casa, cada um em seu cantinho… Uma loucura!
Quem “dormiu” na sala ou no quarto da frente, não restou outra alternativa senão acordar bem cedinho… E bem cedinho mesmo (fora a noite mal dormida), pois o “Leão” (Paulinho) naquela noite encontrava-se bastante agitado e o seu “hurrar”, oscilando em um pequeno índice na escala de Richter, como mini-terremoto, chegava a provocar tremedeiras nas paredes do casarão.
Já o Gilberto, achando ter se dado bem, discretamente colocou seu “colchãozinho” ajeitadinho no quarto da frente ao lado da cama da Vó Chiquinha. Porém, na alta madrugada, em meio aos “hurrares” do valente “Leão”, ouvia-se também tosses parecidas com alguém se engasgando… Era o Gilberto, que deitado ao lado da cama da Vó Chiquinha, de vez em quando se engasgava com os chumaços de lenços de papel que a Vó Chiquinha usava todas as noites para limpar suas narinas da renite alérgica, a qual mesmo dormindo, após utilizá-los, amassava-os e os arremessava sem olhar, num cesto colocado entre sua cama e o colchão do Gilberto. Com isso, Gilberto teve que passar a noite toda com os olhos abertos e a boca bem fechada…
Levantamos por volta das 06h30min, primeiramente o Gilberto (por razões óbvias, é claro), logo em seguida, eu, o Mauro, levantei e de imediato liguei para a casa do Zé Baiano convidando-o para a pescaria. Em seguida, liguei para o Alexandre, filho do Zé Baiano, e depois para o Marco Aurélio, o Pancada, o qual era o incumbido de preparar as tralhas. Após tais ligações, liguei ainda para o Demerval, combinando para virem o mais rápido possível para a casa da Vó Chiquinha de onde sairíamos (O Zé Baiano e o Alexandre viriam de carona com o Demerval, pois moravam próximos a ele).
Após suas chegadas e o levantar de outros “pescadores” que dormiram “muito bem” nos colchões (Paulinho e Amauri), saímos em direção à casa do Marco Aurélio para apanhá-lo. Lá chegando, seu irmão Maurício e também o Rildo, este de São Paulo, que havia dormido na casa do Pancada, resolveram de última-hora, irem à pescaria com a turma.
E assim, partimos para a beira do rio Jacaré-Guaçu, mas antes, pelo caminho, passamos no hipermercado Extra, no centro da cidade, onde compramos pães, frios (mortadela, presunto e queijo), refrigerantes, as tais das latinhas de cervejas (e não foram poucas) e repelente contra insetos, e ainda, pelo caminho, na Avenida 7 de Setembro, no bairro do Carmo, paramos numa loja de apetrechos de caça e pesca, na qual complementamos nossas tralhas comprando algumas varinhas de bambu, anzóis tipo “mosquitinho”, iscas de massa, macarrãozinho e minhoca, e quirela de milho para “cevar” o local da pescaria.
Aí sim, após tudo isso, finalmente partimos para o “Jacaré-Guaçu”…
Chegamos na beira do rio por volta das 09h00min. Ah, quase que me esqueço de relacionar os nomes dos personagens que naquele dia contracenaram como pescadores. Éramos em 10 homens. Fomos em 03 carros: No Doblô cinza do Paulinho, foi ele como motorista, eu, o Gilberto, o Amauri (esses todos de São Paulo) e o Zé Baiano (de Araraquara); na Saveiro prata do Demerval, foi ele dirigindo e o Alexandre de passageiro (ambos de Araraquara); e na Parati preta do Maurício, este foi dirigindo, além do Marco Aurélio (esses dois de Araraquara) e o Rildo (de São Paulo).
Depois de muito procurar local para pararmos e pescar, trafegando em meio a canaviais, cafezais e mata natural, pelas estradas de terra lamacentas e cheias de poças de água da chuva que caíra durante aquela noite, resolvemos estacionar os veículos no acostamento próximo a Ponte Velha, e descemos pelo barranco ao lado da ponte, onde andamos por mais ou menos uns cinquenta a sessenta metros pela margem do rio e então, baixamos “acampamento”.
Confesso que estava desesperado para começar a pescar. Assim, mais do que depressa, preparei minha varinha com linha e anzol, passei a mão numa porção de iscas, me apoderei do saco da quirela de milho, me precavi das picadas dos borrachudos e outros tantos insetos espirrando o repelente pelo corpo e sai a escolher “assento” pelo barranco para iniciar logo minha pescaria.
E dessa forma, após todos os outros prepararem suas varinhas e depois de também terem passado o repelente pelos corpos e cada um achar o seu cantinho na beira do rio, “seriamente” começamos a pescar…
Minutos se passaram…, horas se passaram e sequer um “beliscarzinho” em quaisquer umas das iscas jogadas à espera dentro das águas barrentas daquele rio. Demerval, “o mais paciente”, foi o primeiro a desistir. Largou sua varinha encostada a uma árvore e ficou esperando que as coisas viessem a melhorar. E como as coisas não melhoraram e já sendo pouco mais da uma hora da tarde, e como ninguém havia pego nada, mas a fome impaciente nos pegava, fomos também largando nossas varinhas encostadas em alguma árvore ou até mesmo deixando de “espera”, fincada no barranco, e aos poucos fomos nos reunindo próximos às tralhas para lanchar.
A essa altura, com o sol queimando as cabeças, mas com o refrescar de algumas “latinhas” sob a sombra das árvores, a pescaria ficou mesmo como “pano de fundo” e as palhaçadas começaram:
Demerval com um chapéu de peão em sua cabeça e portando um chaveiro com sininho, amarrou-o em sua cintura e, imitando borboleta, e tal qual uma “boiola assanhada”, passou a correr e a se esconder entre árvores e folhagens, balançando e exibindo seu sininho, fazendo-o trinar em contraste com os assobios dos pássaros; o “patrulheiro” Alexandre, já que estava calçando coturno, foi “escalado” para ficar em cima da ponte para olhar os carros, enquanto de lá, pescava apenas com uma linha, com chumbada e anzol; o Rildo não falava nada, só de vez em quando ria ao ouvir alguma piada; o Amauri, recém-chegado na família, para ser mais bem aceito e passar pelo “batismo”, teve que dar um beijo na bochecha gordinha e rosada do Demerval, o que foi feito sem problema algum (não se sabe se ele ficou com vontade de beijar a todos); o Gilberto ainda traumatizado pela noite mal dormida, afirmava que naquele rio não tinha peixe, mas o bicho era teimoso, não deixava de pescar; o Marco Aurélio… bom o Marco Aurélio não foi mesmo para pescar e as suas tralhas soavam o som de vidros…; o Maurício, seu irmão, a todo instante era indagado o porquê ainda permanecia solteiro e ele dizia que era opção e que ninguém se preocupasse com ele, pois era muito macho…; o Zé Baiano, entre umas e outras “roubadas de latinhas”, desaparecia pelos barrancos afora procurando “bom lugar” para pescar; o Mauro… bom, eu estava louco para pegar o primeiro peixinho do dia, e assim eu não sabia se preparava um lanche ou se voltava a pescar, enquanto o restante da turma se distraia comendo e bebendo; e o Paulinho, o nosso querido “Leão”, agora bem mais dócil, com sua câmera filmava a tudo.
Em certo momento, quando apenas eu e o Zé Baiano, em algum canto do rio, teimosos ainda insistíamos em pescar, ouviu-se de repente um grito de satisfação: era o Zé Baiano que enfim conseguira fisgar o primeiro peixe do dia, gritando: “Aqui danado, peguei ou não peguei seu fio de uma égua”. E sorridente, saiu correndo em direção ao pessoal para mostrar o lambari fisgado, e era de rabo vermelho. Chegando próximo ao pessoal, Gilberto deu-lhe uma bronca pelo risco que havia passado, pois quando viera correndo com seu peixinho, passara próximo a mim, e o Gilberto, não tendo o que falar, disse ao Zé Baiano que eu havia me contido muito em não lhe passar o pé e derrubar-lhe com peixe e tudo… A verdade é que o Gilberto também estava desesperado para pegar o primeiro peixinho do dia…
E o Zé Baiano para o arregalar dos olhos espantados de todos, ainda correu mias um sério risco ao pescar mais um lambari… Final do dia: Zé Baiano 2 x 0 Restante da Turma.
Não queria dizer, mas após isso, me apossei do lugar em que o Zé Baiano pescava, com o intuito de não sair daquela pescaria sem ter fisgado sequer um peixe, mas não teve jeito…, o lanche acabou…, o refrigerante acabou…, as latinhas acabaram, as horas se passaram, os peixes… os peixes continuaram nas águas a nos gozar… e, por volta das quatro da tarde, partimos de volta à casa da Vó Chiquinha para comemorar seu aniversário, com histórias de pescaria que ficarão na história na vida desses 10 pescadores.