A JABUTI
E não havia meio daquela bronquite desaparecer. Quanto sofria a pequena Nickita com aqueles estados de ataques brônquicos. Desde muito pequena, Alessandra, sua mãe, correndo de Pronto Socorro à Hospital quando as crises atacavam, e Nickita com sua respiração ofegante, era levada às pressas para fazer inalação, e ainda algumas vezes tinha que ficar internada sobre observação médica.
Não dá para precisar quando teria iniciado aquela bronquite em Nickita. De nascença talvez. Alergia a animais, carpetes, poeira…, sabe lá, só se sabe que Alessandra há sete anos (idade de Nickita) vivia em alerta total, pois a qualquer sintoma de início de crise brônquica – e quem já teve sabe do que estou falando -, Alessandra já estava pronta para o socorro. Só faltava ficar uniformizada tal quais os homens do resgate.
Aliás, Alessandra já havia tentado de tudo quanto é tratamento médico e aquela bronquite teimava em continuar incomodando a pequena Nickita. Já não possuía mais animais de pêlo. Substituiu o carpete por um piso de madeira. Conta de energia elétrica vinha “lá em cima”, devido ao constante uso do aspirador de pó, mas aquela bronquite, seguida de uma renite alérgica, parecia não haver solução. Volta e meia, Nickita “visitava” os médicos.
Alessandra, seguindo orientações de alguns parentes ou vizinhos, apenas conseguia atenuar as crises com alguns chás de ervas.
Num determinado dia, Alessandra ouviu de Aparecida, uma vizinha e antiga amiga, que esta ficara sabendo de uma solução que poderia afastar de vez aquela bronquite em Nickita, e com a vantagem de nunca mais necessitar do uso de medicamentos, chás, etc.
Aí, Alessandra, como toda mãe que nunca perde as esperanças, de imediato quis saber qual seria aquela “milagrosa” solução e perguntou à sua amiga:
− Cida, me diga logo qual é esse remédio milagroso?
E Cida respondeu:
− Não se trata de nenhum remédio. É uma tartaruga! Isso mesmo, uma tartaruga! Dessas que não precisa ficar na água… Um Jabuti!
− Um Jabuti?!!!… – perguntou surpreendida Alessandra. Mas como um Jabuti irá resolver o problema da bronquite da minha filha?
− Como eu não sei! – disse Cida. E continuou:
− Não sei qual é o segredo, só sei que dá certo, pois já me falaram sobre isso várias vezes, inclusive uma colega lá do meu serviço tem um Jabuti solto em sua casa e disse que a bronquite das crianças desaparecera como um passe de mágica, após ela ter “adotado” o Jabuti como bicho de estimação.
Ouvindo esse relato, Alessandra, que praticamente já havia tentado de tudo, e durante anos não tinha conseguido achar a cura para a bronquite de Nickita, disse para Cida:
− Tudo bem! Apesar de eu não acreditar muito nesse “milagre” do Jabuti, não custa tentar. Ao menos Jabuti não tem pêlo, e assim, quem sabe, posso unir o útil ao agradável, pois as crianças poderão tê-lo como seu bichinho de estimação.
E ainda perguntou:
− Mas Cida, onde é que eu vou encontrar um Jabuti?
E com um sorriso desconfiado na face, Alessandra até ironizou para Cida:
− Há, há, há…! Só faltava agora eu ter que sair pelos matos atrás de um Jabuti!…
Porém Cida, sem hesitar respondeu:
− Larga de ser boba Alessandra! Até parece que você não vive neste século! Hoje em dia, existem criadores autorizados pelo IBAMA onde você poderá comprar diversos animais e pássaros da fauna nacional, inclusive um Jabuti, e ainda vem com certificado de registro.
− Nossa! – exclamou admirada Alessandra. Não sabia nada disso. Se for assim, o que é que estamos esperando para ir atrás dessa tartaruga, quero dizer, desse tal de Jabuti?
*****
***
*
E então, após algumas pesquisas pela internet, Alessandra e Cida conseguiram encontrar um criadouro autorizado pelo IBAMA onde se criavam e também se vendiam Jabutis, e foram e compraram um animalzinho, com pouco mais de dez centímetros de comprimento.
Quando Alessandra chegou em casa com o pequeno Jabutizinho, seus filhos, Felipe e Nickita, vibraram com o bichinho de estimação e logo já batizaram com um nome: Casquinha!…
Não preciso nem dizer o porquê, não é mesmo? Ah, e era fêmea, uma Jabuti, segundo os responsáveis pelo criadouro, e desta forma, este seria o novo bichinho de estimação da casa, mas para Alessandra, o que importava mesmo seria a cura da bronquite de Nickita. E Alessandra estava com muita fé como sempre teve em outras situações da vida.
Naquele mesmo dia em que Alessandra apareceu com a Jabuti e após todo aquele “alvoroço” das crianças, Nickita notou que a pequena Casquinha não abria um dos olhos, ou seja, a pequena tartaruguinha era cega de um olho, e então, atônita, Nickita proferiu as seguintes palavras:
− Olha mamãe! Ela é cega de um olho! Volta “lá” e troca ela mamãe. Eles venderam uma Jabuti cega pra gente!
− É verdade filha! – esbravejou Alessandra após ter verificado a veracidade do que Nickita acabara de afirmar quanto à Casquinha.
− Eles me enganaram! Onde já se viu vender uma Jabuti cega de um olho! Eu vou lá reclamar e pedir para trocar por outra ou outro que tenha os dois olhos normais – disse isso se preparando para voltar onde havia comprado a Jabuti.
Porém, Felipe que estava ouvindo o diálogo entre mãe e filha, de imediato gritou enfurecido:
− De jeito nenhum!!! Eu não vou permitir que alguém saia daqui com esta Jabuti! Ninguém vai trocar a Casquinha só porque está cega de um olho. Daqui ela não sai!
− Sabe por que mãe? – continuou Felipe em seu bravo discurso já com os olhos lacrimejados:
− Se a mãe voltar lá para trocar a Casquinha, eles podem pensar que esta Jabuti não serve pra nada só porque é cega de um olho. Vão achar que ninguém vai querer comprá-la, aí eles vão desprezá-la e, …coitada da Casquinha, vai morrer de tristeza. Se ela veio pra gente, é porque Deus quer que a gente fique com ela do jeito que ela é!…
Alessandra e Nickita ficaram mudas ante a tal sensibilidade de Felipe. Olharam-na uma para outra, ambas também com os olhos cheios de lágrimas, e Nickita então com a voz tremida de emoção advinda pelo discurso de Felipe, disse:
− É verdade mamãe. O Felipe tem razão. Não tem problema que a Casquinha é cega de um olho, de hoje em diante ela vai ser a nossa mascote da casa. Eu já a amo assim mesmo!
E dessa forma, Casquinha, a Jabuti, passou a ser mais um “membro” da família.
Porém o inesperado estava para acontecer!…
Naquele mesmo dia, Felipe resolveu dar um banho na pequena Casquinha. Colocou-a sob a torneira do tanque, na área de serviço, e começou a banhá-la, mas a água corrente acabou por retirar uma pequena película que cobria aquele olho “cego” da Jabuti, e assim, após a retirada daquela película, a pequena Casquinha abriu aquele olho, até então “cego”, ficando com os dois olhos bem abertos para a alegria de Felipe, que feliz, saiu a berrar em direção ao interior da casa:
− A Casquinha abriu o olho! Olha mãe!… Nickita!… Venham ver!!! A Casquinha não é cega não! Ela abriu o olho! Acho que estava com alguma sujeirinha sobre sua pálpebra e a água levou!…
E com essa ótima notícia, todos ficaram muito mais felizes. Casquinha passou a dormir embaixo da cama de Nickita, mas andava livremente pelo seu quarto e também pelo quarto de Felipe, e ainda por outros cômodos da casa. E o interessante é que Casquinha só fazia suas necessidades dentro do tanque, quando alguém abria a torneira e deixava apenas um “fio” de água escorrendo sobre seu corpo. Nunca fez qualquer sujeira dentro de casa. Mas que gracinha!… Que educação!…
Ah! Estava até me esquecendo da bronquite! Bronquite!? Que bronquite?… Pois é, essa história toda se passou há pouco mais de nove anos, tanto que Nickita hoje está com dezesseis anos de idade, e segundo Alessandra, que não tem motivo nenhum para mentir, afirma que há aproximadamente nove anos que Nickita nunca mais teve que ser socorrida de Pronto Socorro a Hospital, e sequer teve quaisquer sintomas de bronquite e até mesmo sua renite alérgica tinha desaparecido. Milagre ou não, se curou completamente.
Quanto à Casquinha, hum!… Esta continua pela casa, um “pouco” maior é claro, andando de cômodo em cômodo. Quando está de barriga cheia “desaparece” embaixo de alguma cama, armário, etc. Busca qualquer cantinho para se esconder, e quando a fome volta a bater, passa a andar pela casa “reclamando” por seus legumes e frutas… E continua a fazer suas necessidades somente dentro do tanque, na área de serviço, após alguém colocá-la ali e abrir a torneira, deixando escorrer um pequeno fio de água sobre seu pequeno corpinho.
Estão vendo só! Nunca podemos julgar ninguém ou mesmo qualquer bichinho simplesmente pela sua aparência. Só Deus sabe a riqueza e os milagres contidos no interior de cada ser vivo, mesmo que seja uma pequena Jabutizinha.